quarta-feira, 24 de maio de 2017

 A Penha quer Parque e não duas Torres no lugar do Seminário  

Mesmo um pouco escondida pelas árvores de sua grande área ajardinada, que incluem até frutíferas, como um pé de jaca, a fachada do prédio de três pavimentos pode ser vista pelos pedestres que diariamente passam pela calçada da rua Santo Afonso, 107, na Penha, Zona Leste da cidade. Na parte da frente, a construção conserva o antigo frontispício, alpendre e escadarias. A pintura é de cor amarela, bastante desgastada pelo tempo e falta de manutenção. Na parte de trás, fica o restante da grande construção que durante décadas fez parte do cotidiano da vida religiosa do tradicional bairro. Um dos mais importantes na história de São Paulo, antes e depois da Independência do Brasil, e que registra a passagem por suas colinas de dois Imperadores: Dom Pedro I (1822) e Dom Pedro II (1886)..

O patrimônio, que tem uma ligação afetiva muito estreita com a comunidade penhense, corre sério risco de desaparecer. O pesadelo começou em 2009, quando uma construtora manifestou, junto à Mitra Diocesana de São Miguel, proprietária da área, seu interesse em erguer no local duas torres de apartamentos, com 25 andares cada uma.

Fotos de Eduardo Morelli e Douglas Nascimento
A comunidade, por meio de suas lideranças e entidades como o Memorial Penha de França, se mobilizou e iniciou uma luta para a preservação do antigo Seminário e assim evitar sua demolição. Houve ate um seminário para discutir as medidas com este objetivo. E como consequência, a própria Subprefeitura, atualmente Prefeitura Regional, após reuniões e visitas ao local, acompanhadas de membros do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), se posicionou pelo tombamento do prédio.

Para fundamentar sua decisão, a antiga Administração Regional da Penha destacou que a construção está incluída no conjunto dos espaços públicos e traçado urbano integrantes do Centro Histórico da Penha, de acordo com o Plano Estratégico Regional da Prefeitura da Penha. A área, após o tombamento, seria enquadrada como ZEPEC – Zona Especial de Preservação Cultural para o bairro da Penha. Outros imóveis, como o Santuário da Penha, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e o Colégio Estadual Santos Dumont, por exemplo, já foram tombados pelo Estado e o Município e estão na ZEPEC.
O processo solicitando o tombamento do seminário foi aberto em setembro de 2007 no Conpresp e também exaustivamente analisado pelo Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura.

Por outro lado, depois de enfrentar problemas, por várias vezes, com o aluguel do prédio do Seminário (houve uma ação de despejo contra o locador em 2006 por falta de pagamento), a Mitra Diocesana, com apoio de outros moradores e aval de alguns políticos da região, como o vereador Toninho Paiva (ex-conselheiro do Conpresp) fechou um acordo com a construtora Stuhlberg para a demolição do edifício e a execução do projeto imobiliário.

Para desalento e surpresa dos que são favoráveis ao tombamento e contra a construção das torres, em recente resolução o Conpresp, que anteriormente havia acenado ser favorável, emitiu parecer contrário ao tombamento. O orgão concluiu que o Seminário não tem o valor arquitetônico alegado, depois de passar por tantas reformas, e o atual estado de deterioração de suas instalações inviabiliza a sua recuperação para ser destinado para qualquer finalidade. Justifica, portanto, sua demolição.

Mas os representantes da comunidade não desistiram da luta. Afinal, sonhar é preciso e estão reivindicando ao Conpresp que, se realmente houver a construção das torres, e em caso de demolição, sejam preservadas a fachada do imóvel e a área arborizada, e estudada a possibilidade da construção de um parque aberto ao público.
Fotos de Eduardo Morelli e Douglas Nascimento

Existe um fio de esperança, que sempre é a última que morre, como diz o ditado: pelos gabaritos estabelecidos pelo atual Plano Estratégico Regional, não é permitida a construção de edifícios com a altura pretendia pela imobiliária. Isso, segundo informações que chegaram ao conhecimento dos diretores do Memorial Penha de França, levou a construtora a se desinteressar pelo seu empreendimento.

Porem, vai ser necessário força política e muitas orações à Nossa Senhora da Penha, aliás Padroeira de São Paulo, e cuja imagem está na Basílica, para que não haja alteração nos gabaritos da ZEPEC específica do baiiro. E para que a Mitra Diocesana de São Miguel mude a sua posição de intransigência. Por enquanto, as lideranças penhenses, favoráveis ao tombamento aguardam ansiosos por uma decisão do Ministério Público Estadual que pediu ao Conpresp vistas ao processo, encaminhado ao órgão em 1º de Março de 2016.

Os moradores do bairro, principalmente os mais idosos, não se esquecem dos tempos em que no local funcionou o Seminário da Congregação dos Padres Redentoristas, (1956 a 1966), a sede da então Administração Regional da Prefeitura (1978 a 1981), e o Hospital-Ambulatório Nossa Senhora da Penha (1983 a 2006), cujo letreiro permanece no alto da fachada, e também pode ser observado da rua.

O curador do Memorial Penha de França, Francisco Folco, lembra que a construção foi erguida na década de 50, em terreno doado pela comunidade, que também contribuiu com dinheiro, para servir de convento para os padres da Congregação dos Redentoristas. Considerado de dimensões muito amplas para aquela finalidade, foi transformado em Seminário pela Mitra Diocesana de São Miguel Paulista, sua proprietária. Assim como da imponente Basílica de Nossa Senhora da Penha, cujas torres e a fachada amarela são vistas de vários pontos da região. É o mais importante centro religioso da Penha, praticamente ao lado do prédio do antigo Seminário, desativado antes de abrigar o Hospital-Ambulatório Nossa Senhora da Penha, que igualmente encerrou suas atividades, no final da década de 90.

Fotos de Eduardo Morelli e Douglas Nascimento
Os que visitam, assistem às missas ou passam diariamente em frente à Basílica, constatam com tristeza e tentam entender como aquele patrimônio se deteriora ano após ano. A única movimentação é na parte do espaço, com acesso pela rua Santo Afonso, onde funciona o estacionamento para carros de empresas de seguros, laboratório e cursos de idiomas. São cobrados de R$ 2,99 a R$ 4,99, de acordo com a tabuleta fixada sobre o portão de ferro fechado por corrente e cadeado. Em frente do portão tem um ponto de táxi coberto, com um banco, e também ponto de ônibus.  





quarta-feira, 17 de maio de 2017

Dois séculos depois, o Caraça se volta para o turismo, sem deixar de ser um centro religioso, ecológico e cultural

“Só  a visita ao Caraça vale a viagem a Minas”.

Mineiro que sou, e respeitando o tripé do turismo do Estado de Minas, que tradicionalmente sempre girou em torno de suas famosas cidades históricas, estâncias hidrominerais e grutas, concordo plenamente com a frase dita em 1881 pelo Imperador Dom Pedro II, na rápida visita que fez à região.

E também deve ser a opinião dos mais de 70 mil turistas que, procedentes de todas as regiões do país e do Exterior, visitam o Parque Natural do Caraça para conhecer o Santuário de Nossa Senhora Mãe dos Homens (nome oficial), na Serra do Caraça, a 120 km de Belo Horizonte, a beleza natural de sua paisagem e a variedade de sua fauna e flora.  

Antes dele, em 1831, também Dom Pedro I e a Imperatriz Dona Amélia estiveram no parque, chamado carinhosamente de “porta do céu”e que fica no município de Catas Altas.

Em sua rápida permanência de 24 horas na região, acompanhado da Imperatriz Teresa Cristina, Dom Pedro II ficou impressionado com a beleza natural de sua fauna e flora, protegidas por um círculo de montanhas. Sua admiração está expressa em palavras registradas no livro de assinaturas das personalidades ilustres que passaram pelo local ao longo dos anos.

Dom Pedro II também assistiu à aulas dadas aos alunos e não escondeu a sua admiração pelo alto nível dos estudos. No diário, que tive a oportunidade de ler na biblioteca do Caraça, escreveu: “ Assisti a todas as aulas onde gostei, em geral, do modo por que os alunos responderam”.      

No Centro de Visitantes, assisti a um documentário que mostra, aos turistas, hospedes ou visitantes, toda a história deste Santuário e centro de peregrinação, que completou 200 anos em 1974; do Colégio que funcionou por 148 anos, onde estudaram importantes personalidades da vida religiosa e política do Brasil, entre os quais os presidentes da República, Afonso Pena e Arthur Bernardes, e que foi destruído por um incêndio em 1968; da igreja neogótica construída em 1880 no lugar da antiga capelinha de 1774, e em cujo interior, sob o altar de Santo Antônio, está enterrado seu fundador, o Irmão Lourenço.  

O documentário informa que o Parque do Caraça ocupa uma área de 11.233 hectares, e que este complexo de inestimável valor religioso, ecológico, cultural, descobriu uma nova vocação, o turismo ordenado desde 1972. Tudo é administrado pela Província Brasileira da Congregação da Missão, dos padres e irmãos Lazaristas. Por decreto, desde 31 de janeiro de 1990, tornou-se Reserva Particular de Patrimônio Natural.

O primeiro marco do Santuário foi a pequena Capela de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em estilo barroco, construída em 1774, pelo irmão Lourenço. Trata-se de um personagem português cuja vida é cercada de mistérios. Seu nome verdadeiro seria Carlos Mendonça, da família Távora, suspeita de envolvimento num atentado contra o Rei Dom José I, de Portugal, em 1758. Todos os 11 membros de sua família foram queimados em praça pública por ordem do Marquês de Pombal.

Único sobrevivente, ele fugiu para o Brasil, em um navio, onde desembarcou por volta de 1770. Escondeu sua identidade trajando um hábito religioso da Ordem de Terceira de São Francisco, e adotou o nome de Irmão Lourenço de Nossa Senhora, como ficou oficialmente conhecido.

Quando chegou à região que seria a futura Capitania de Minas Gerais, ficou atraído pelo isolamento da área, protegida por uma cadeia de montanhas. Os bandeirantes, que já haviam incursionado por ali em busca do ouro, notaram que uma delas tinha a forma do rosto de um gigante esculpido nas pedras e lhe deram o nome de Caraça. E foi naquelas terras que o Irmão Lourenço ergueu a ermida e uma casa de acolhimento.

Antes de morrer, em 1819, o Irmão Lourenço deixou, em testamento feito em 1810, as terras e a igreja para Dom João VI com o desejo de que ali fosse erguida uma escola para o ensino religioso. No ano seguinte, o rei doou o conjunto à Congregação da Missão dos Padres Lazaristas, que construiu o colégio.

E foi exatamente o colégio que tornou o Caraça famoso em todo  Brasil e além fronteiras, como centro educacional de excelência: a instituição foi fundada em 1820 pelos conterrâneos do irmão Lourenço, os padres Lazaristas, Antônio Ferreira Viçosa e Leandro Rabelo Peixoto, que Dom João VI, mandou vir de Portugal.

 De acordo com os historiadores, mais de 10 mil alunos estudaram como internos no Colégio do Caraça, em seus 148 anos de existência. Suas atividades como instituição de ensino foram interrompidas por um incêndio de proporções gigantescas na madrugada do dia 28 de maio de 1968. O fogo, que durou oito horas, teve origem em um fogareiro elétrico que um aluno esqueceu de desligar e era usado para derreter a cola destinada ao setor de encadernação da biblioteca. O combate foi feito pelo Corpo de Bombeiro, que se deslocou desde a capital, Belo Horizonte. Todos os alunos e irmãos que dormiam no momento do incêndio conseguiram sair ilesos.

A tragédia, que comoveu o país, continua até hoje na memória de ex-alunos do colégio do qual só restaram ruínas. No próximo dia 28, terão se passado 149 anos daquela terrível madrugada: foi consumida pelo fogo toda a ala esquerda do prédio, onde ficavam os laboratórios de Química, Física e Farmácia. No segundo andar, o da biblioteca, dos 30 mil volumes, só metade pode ser salva.

O prejuízo material foi incalculável. A biblioteca permaneceu fechada e os livros guardados. Em 1990, houve a restauração parcial do prédio, que atualmente conserva de pé uma parte da estrutura incendiada e uma outra protegida por vidro. Em seu interior, no térreo, funciona um museu, que guarda o fogareiro causador do incêndio, e no andar superior a biblioteca com o livros que não foram destruídos.

No acervo, há 1.400 volumes dos séculos XVI, XVII e XVIII, entre eles raridades como o livro “História Natural, de Plínio o Velho, um soldado romano que viveu entre os anos 23 e 79 d.C., impresso em 1489; o menor livro, “Imitação de Cristo”, de 1851, e o livro do Pai-Nosso – Oratio Dominica, de 1870, em 250 idiomas.

E para os que ainda não tiveram a oportunidade de viajar para a região, o Parque Natural do Caraça é ideal para os que gostam de caminhar por trilhas, com maior ou menor grau de dificuldade, entrar em grutas, nadar em riachos, tanques de água fria, tomar banho em piscinas naturais e cascatas, e até fazer escaladas.


Outra atração imperdível, esta sempre à noite, entre 19 e 20h00, é acompanhar a chegada de um personagem que há décadas faz parte da história do Caraça: o Lobo-Guará. O animal, com sua pele cor de mel, sobe desconfiado e lentamente, os  degraus da escadaria para comer no adro da igreja do Santuário. Ali, um religioso coloca uma bacia de carne que o lobo devora sob o olhar do turistas que ficam sentados nas cadeiras ou de pé, em silêncio, e fotografando tudo. Muitos até dão a carne na boca do lobo.

Como curiosidade, um fato que não consta em nenhum registro oficial do Caraça, mas que ninguém desmente: quando de sua curta visita ao Caraça, Dom Pedro II, ao descer a ladeira que leva à escadaria de acesso à igreja, escorregou em uma pedra e caiu sentado. A pedra, hoje bem lisa e desgastada peça ação do tempo, está no mesmo lugar com o nome do Imperador gravado na mesma.


terça-feira, 9 de maio de 2017

A cidade não esquece do Guarda Luizinho

Ele foi escolhido “O policial do ano”, pela imprensa, em 1975, 76, 77, 79 e 1980; recebeu o “Apito de Ouro” em 1976, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo; o título de Cidadão Paulistano e a Medalha de Anchieta, da Câmara Municipal; foi homenageado  pela Associação Comercial de São Paulo, distrital de Santana, com o Cartão de Prata; eleito a Personalidade do Ano em 1978 e 1979, pelo Rotary Club, na área de atividades humanas, e pela Academia Brasileira de Poesia, como “Um Anjo da Guarda, em 1978; teve sua imagem ilustrando um calendário da SPTrans em uma campanha de educação de trânisto
foto acervo/ Estadão 
 em 2015 e, no último dia 27 de abril, foi homenageado pelo Comando de Policiamento de Trânsito, em evento no Teatro Sérgio Cardoso.


Os que, como eu, tinham menos de 40 anos no período de 1970 a 1980, e viviam em São Paulo, já sabem de quem estou falando. Do Guarda Luizinho, que marcou época com seu estilo inimitável e um grande senso de humor, no seu trabalho de cuidar da segurança dos milhões de pedestres que diariamente passavam por aquele que foi e continua sendo um dos locais mais problemáticos do trânsito na capital: o cruzamento das ruas Xavier de Toledo e Barão de Itapetininga, bem em frente à Praça Ramos de Azevedo e do Teatro Municipal, e ao lado do prédio do antigo Mappin.

No seu ponto, onde permanecia a partir do meio-dia e ia, às vezes, além das 20h30, jamais aplicou uma multa. Orgulha-se também de nunca ter havido um atropelamento naquele cruzamento, enquanto trabalhou no local. Era cumprimentado e aplaudido mesmo após chamar a atenção dos pedestres, principalmente jovens e moças, sempre apressados, e até pessoas de idade, que insistiam em descer da calçada e atravessar antes do sinal fechar para os veiculo. No final da tarde, chegava a receber flores de senhoras e até bombons em agradecimento pela forma como fazia o seu trabalho, sem criar atritos, e tendo como lema a prevenção, orientação e a educação. 
foto acervo/Estadão

Os ‘boys” que trabalhavam na região, gostavam de, na hora do almoço, ficar observando as atitudes criativas e irreverentes do Guarda Luizinho. E se divertiam muito quando ele fazia um pedestre retornar à calçada e lhe entregava uma miniatura de caixão, feita de plástico. E dizia:“Este caixão é para você, que gosta de ficar pulando entre os carros. É de graça”.

Outra atitude bastante aplaudida pelos que aguardavam o sinal abrir, era quando um motorista de taxi parava em cima da faixa. Luizinho abria a porta do carro e mandava os pedestres atravessarem para o outro lado da rua passando pelo interior do veículo. Como circulava muito por aquela área central da cidade, testemunhei esta cena um sem número de vezes.

Também chegava quase a carregar e dava as mãos a alguns que teimavam em atravessar fora da faixa. Em uma de suas atitudes mais inusitadas, ficava de joelho diante do pedestre para fazer com que ele esperasse a abertura do sinal.

Ele sempre foi muito além do seu trabalho de fazer cumprir as leis do trânsito, ajudando os mais idosos a atravessar e sempre dando informações sobre como chegar a este ou aquele destino. A mídia destacou, na época, um gesto que fez crescer ainda mais a admiração pelo Guarda Luizinho. Ao saber que uma jovem perdeu o emprego porque se atrasou por estar no cruzamento observando o seu trabalho, Luizinho foi até a empresa e convenceu o chefe a readmiti-la.

Para se ter uma idéia de como ele era querido pela população, em determinada ocasião foi transferido para atuar na esquina da Avenida Ipiranga com a São João, seguindo um esquema de rodízio estabelecido pelo DSV. Houve um abaixo-assinado com cerca de 65 mil assinaturas pedindo a volta do guarda para o ponto anterior e a solicitação foi atendida algum tempo depois.

foto acervo/ Estadão
O paraibano Luiz Gonzaga Leite, hoje com 76 anos, ingressou na Guarda Civil em 1965, depois de ter servido o Exército no CPOR – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, em 1958. A unificação da Guarda  com a então Força Pública, em abril de 1970, fez dele um Policial Militar, onde prestou serviço no Departamento do Sistema Viário (DSV) hoje Companhia de Engenharia do Tráfego (CET) até se aposentar em 1982.
Atualmente, Luizinho mora no bairro do Tucuruvi, na Zona Norte, e tem um restaurante na rua 7 de Abril, no quarteirão entre a Xavier de Toledo e a Conselheiro Crispiniano. Quem cuida do estabelecimento é sua filha Alessandra, assistente social e advogada. Seu outro filho, Paulo, é engenheiro civil.

 Mesmo tendo se aposentado, ele continua sendo muito popular em toda a cidade. Recebe cartas e pelo facebook está em contato diário com milhares de pessoas, incluindo gente a quem nunca foi apresentado, que manifestam a sua admiração e recordam com saudades do seu trabalho em frente ao antigo Mappin. Ele continua ligado aos problemas do trânsito e, vez por outra, é convidado para fazer palestras em escolas, empresas, entidades e associações comunitárias de bairros sobre o tema que o tornou conhecido em todo o país e além de nossas fronteiras: educação no trânsito.


Recuperado de uma recente cirurgia, reassumiu suas funções no Conselho Tutelar do Tucuruvi, da Prefeitura de São Paulo, cargo para o qual foi eleito pela maioria de votos. Antes disso, como voluntário, foi Comissário de Menores na Vara da Infância e Juventude, de 1986 a 2000; delegado do Conselho Municipal de Trânsito, de 2002 a 2003, eleito pela população de Vila Mariana, e Conselheiro Municipal de Trânsito e Transporte, de 2004 a 2005. 

quarta-feira, 3 de maio de 2017

Jânio Quadros, o prefeito dos bilhetinhos e da vassourinha

Ao ver, na Internet, que o centenário de nascimento do ex-presidente Jânio Quadros foi comemorado com uma exposição, durante três dias no Palácio dos Bandeirantes, aberta ao público, acionei o botão da minha memória. E voltei ao período de 1986 a 1989, quando trabalhei na sua Assessoria de Imprensa, após ser eleito pela  segunda vez prefeito de São Paulo.  Sua primeira passagem  pelo cargo foi de 1953 a 1955.

Não vou falar sobre a trajetória política e a vida pública de Jânio,  registradas  nos livros de história e nos acervos da mídia.  Principalmente o dramático e até hoje controvertido episódio de sua renúncia, em 25 de agosto de 1961, depois de sete meses como presidente  da República, cargo para o qual foi eleito com 5,6 milhões de votos.  A maior votação até então conseguida no Brasil.

Cada prefeito que acompanhei, desde Olavo Setubal até Fernando Haddad, deixou suas marcas, com obras de  maior ou menor importância para a cidade. Mas, o que o diferenciou de todos os que o antecederam e o sucederam, seja na Prefeitura, Governo do Estado e até na Presidência foi a forma como se comunicava, por meio de bilhetes, sempre bem curtos e com sua assinatura.  Na realidade, não passavam de memorandos ou ordens internas, publicadas no Diário Oficial e que pelo seu formato a midia apelidou de “bilhetinhos  do Jânio”. 

Aos que o criticavam, respondia que era para se comunicar diretamente com ministros, secretários e assessores, eliminando a burocracia. As más linguas  diziam que ele teria copiado o método de Wiston Churchill, que  usava este expediente durante a Guerra.  

Durante seus mandatos, quer no âmbito municipal, como no estadual e federal executava ações que passavam uma imagem de moralização da administração pública e de combate à corrupção. Em suas campanhas usava como símbolo uma vassoura, acompanhado por um jingle, inspirado por sua mulher, Eloá Quadros, e cujos versos iniciais eram “varre, varre vassourinha, varre,varre  a bandalheira, que o povo já tá cansado de sofrer dessa maneira”. Um mote bem apropriado para ser cantado pelos eleitores nos tempos de hoje.

Outra característica de sua gestão à frente da Prefeitura: visitas surpresas aos órgãos públicos para conferir a qualidade dos serviços oferecidos à população. E quando deixava seu gabinete no Ibirapuera, aplicava, pessoalmente, multas aos motoristas  infratores, particularmente os que paravam sobre as faixas de pedestres.

 Testemunhei  várias  vezes ele dar ordens ao Major Cláudio Coutinho, seu assistente militar que o acompanhava sempre, para apreender a carteira do motorista e o multasse, determinando que o infrator fosse buscar o documento no seu gabinete depois de pagar a multa. Em outras ocasiões, ao observar o dono de um bar ou lanchonete varrendo o seu lixo para a calçada ou via pública, o prefeito descia do carro e aos gritos mandava que o comerciante recolhesse os detritos. Todas estas ações se transformavam em bilhetinhos publicados no Diário Oficial do Município e eram classificados pela mídia de factoides.  

Algumas leis ou decretos sancionados ao longo de sua administração causaram grande repercussão e geravam críticas da oposição, como a proibição de jogos de sunga e o uso de biquínis fio-dental no  Parque Ibirapuera; das rinhas de galo, a prática do skate nas ruas da cidade, obrigar a Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tido como homossexuais e mandar fechar os oito cinemas que iriam exibir o filme  ‘A Última Tentação de Cristo’, de Madrtin Scorsese, que entraria em cartaz no início de 1989, por considerá-lo desrespeitoso à fé cristã.

Também entraram para a história declarações, desabafos e frases, tanto em eventos públicos como nos contatos com a mídia, nem sempre muito amistosos. Um exemplo disso aconteceu  quando uma repórter de um jornal conceituado pediu a sua opinião sobre o homossexualismo, tratando-o por você.  Jânio respondeu: “Intimidade demais provoca duas coisas : aborrecimentos e filhos e como não quero intimidade com a senhora e muito menos filhos, trate-me por Senhor. Exijo respeito”.

foto acervo/ estadão
Defensor do vernáculo, como advogado e professor que foi, equivocadamente lhe atribuiram a frase “ Fi-lo porque quilo”, quando na verdade o prefeito disse “Fi-lo porque o quis”.  Jânio,  não era segredo para ninguém,  apreciava uma bebida. Duurante um evento social,  quando  presidente da República, um repórter indagou porque ele bebia. Jânio não deixou por menos e deixou o jornalista sem graça com esta resposta: “Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido, comê-lo-ia”.

foto acervo/ estadão
No dia seguinte à sua segunda posse na Prefeitura, janeiro de 1986, um episódio insólito teve repercussão nacional e até no Exterior. O candidato por ele derrotado, Fernando Henrique Cardoso, que todos já davam como vencedor, atendeu ao pedido da revista Veja e posou para uma foto sentado na cadeira do prefeito, no gabinete do Ibirapuera. Jânio chamou os jornalistas e com um tubo de inseticida nas mãos afirmou: “Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram”.

foto  acervo/ estadão
Igualmente testemunhei  quando Jânio pendurou na porta que dava acesso ao seu gabinete  um par de chuteiras, que ganhou do então presidente  do Corinthians, Vicente Mateus, para deixar claro que não disputaria eleição para qualquer cargo depois que deixasse a Prefeitura. E, dez dias antes de concluir seu mandato, viajou para Londres, onde passou o réveillon, não participando da solenidade de posse de Luiza Erundina, prefeita eleita para o período de 1989 a 1992. A incumbência ficou para Cláudio Lembo,  seu secretário dos Negócios Jurídicos.

Já estava com a saúde bastante frágil  e que se agravou após a morte da mulher, Eloá, vítima de câncer, em novembro de 1990. Convocou a imprensa e anunciou sua aposentadoria definitiva da política.  Nos últimos meses de sua vida, Jânio esteve internado em clínicas de repouso e hospitais, até falecer em 16 de fevereiro de 1992, no Hospital Albert Einstein, depois de três derrames celebrais.

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