quinta-feira, 8 de junho de 2017

Arte e abandono nas poucas passagens subterrâneas para pedestres em São Paulo

A grande incidência de acidentes de trânsito, a maioria com o atropelamentos fatais, devido ao acelerado desenvolvimento urbano e o aumento do volume do tráfego de veículos, fez surgir as passagens subterrâneas para pedestres, no final da década de 30, na paisagem urbana de São Paulo. As ocorrências envolviam ônibus, carros e, principalmente, bondes, e eram frequentes nos cruzamentos das avenidas mais movimentadas da Capital.

A primeira intervenção foi em 1938, ligando os dois lados da Av.Rangel Pestana, no trecho entre a rua Piratininga e o Largo da Concórdia. O ponto foi escolhido para dar maior segurança à travessia dos alunos do Grupo Escolar Romão Puiggari, que ficava do outro lado da avenida.

A passagem ficou pronta em setembro daquele ano e tinha ladrilhos brancos nas paredes. Um zelador mantinha o local em boas condições durante o dia. A população fazia uso constante e houve uma queda do número de acidentes na avenida,

Com o passar do tempo, entretanto, a zeladoria foi removida, a passagem passou a ser usada como banheiro público deixando um forte cheiro de urina e de creolina após a limpeza diária. Os problemas aumentaram com a ocorrência de assaltos, tornando o local inseguro e afugentando os pedestres que preferiam atravessar a Rangel Pestana pela superfície. Abandonada, a passagem foi desativada e fechada pela Prefeitura nos anos 60 e assim permanece até hoje.
passagem Mappin

Outra passagem subterrânea importante para a mobilidade urbana fica na região central e, infelizmente, também foi desativada há um bom tempo

Como milhares de paulistanos, eu também a utilizava bastante para ir  da rua Barão de Itapetininga ao Viaduto do Chá, e vice- versa, ou acessar a Xavier de Toledo, em frente do antigo Mappin, hoje Casas Bahia, do Teatro Municipal e do prédio da Ligth, atualmente um shopping do mesmo nome.

Aliás, foi ali que atuou, por muitos anos, o famoso guarda Luisinho, que fazia os motoristas abrirem as portas dos seus veículos para as pessoas passarem por dentro quando os carros paravam sobre a faixa dos pedestres.

A passagem subterrânea do Mappin, como era conhecida, dava mais segurança a todos que diariamente circulam por um dos pontos de maior movimento de trânsito da Capital. Uma região com alto índice de atropelamento.

passagem Prestes Maia
Em 2005, foi  divulgado pela mídia um acordo entre a então Subprefeitura da Sé, hoje Prefeitura Regional, as Casas Bahia e o Shopping Light para a reabertura da passagem subterrânea. O plano previa a recuperação dos pisos, escadas, portões, melhoria da iluminação interna e instalação de câmeras de vigilância, que seriam monitoradas pela Central de Segurança do Shopping Light. .  

A atual administração do shopping desconhece a existência do acordo, que , ao que tudo indica, ficou apenas na intenção. Nesta quarta-feira (7), passando pelo local , à tarde, vi um caminhão de empresa de limpeza, que atende a prefeitura Regional da Sé, usando mangueiras e lavando a passagem com jatos de água em toda a sua extensão. Segundo o motorista do veículo, há 5 anos este serviço é feito três vezes por semana. Mas a passagem segue fechada. 

Outra passagem, bastante mais problemática, está localizada no bairro da Lapa, na Zona Oeste. E é conhecida por nome nada poético, Toca Da Onça. Liga as ruas William Speers e John Harrison.

Dois fatores fazem com que os moradores da região evitem usar a passagem: a falta de segurança e os constantes alagamentos no local. O último deles, de acordo com o registro na imprensa, ocorreu no dia 5 de junho de 2016, logo após passar por reforma.

Pelo que foi divulgado, a Prefeitura Regional da Lapa teria gasto R$ 150 mil na obra, mas não resolveu o problema, pois voltou a ser inundada depois de uma forte chuva na região. Para piorar, a passagem é alvo constante de vandalismo, como a pichação das paredes e a destruição de 7 das 17 lâmpadas.

praça do Patriarca
 Acionada, a Regional da Lapa, por meio da Secretaria Municipal das Prefeituras Regionais, informou que  “a passagem está funcionando normalmente e que passa por limpeza periódica”. Resta à população da região conferir e fiscalizar.

Mas para não dizer que não falei de flores, o paulistano conta com pelo menos duas passagens subterrâneas das quais pode usufruir diariamente com segurança, para a sua mobilidade.

A mais importante da Capital sempre foi a da Galeria Prestes Maia, construída em 1940, aproveitando os espaços vazios da parte final da estrutura do Viaduto do Chá. Na época, tinha abrigos para passageiros de ônibus, salões de exposições, garagem e sanitários públicos. A passagem leva o nome do prefeito de quando foi inaugurada, Francisco Prestes Maia e liga a Praça do Patriarca ao Vale do Anhangabaú.

passagem Prestes Maia
Muito utilizada pela população, com um largo e extenso corredor, têm escadas rolantes, instaladas em 1955, as primeiras inauguradas na cidade, acabamento luxuoso no subsolo, térreo e mezanino. Neste, fica o Salão Almeida  Júnior, com área de 6 mil m2, no momento vazio e fechado ao público, mas que de vez em quando recebe exposições específicas e temáticas.

Como consolo, aos turistas que passam pela Galeria, e interessados em arte, ela exibe permanentemente as esculturas Graça I e Graça II, de Victor Brecheret, outra de Moisés, cópia feita pelo Liceu de Artes e Ofício, e um busto de Almeida Júnior.

 A Galeria conta hoje com uma Praça de Atendimento para os servidores, munícipes e pensionistas da Prefeitura, que reúne os serviços prestados pelo Instituto de Previdência Municipal (Iprem). Há também uma base da Guarda Metropolitana e um posto da Ouvidoria Geral do Município.

Quando era prefeita, Marta Suplicy fez uma tentativa de instalar na Galeria um Museu da Moda, ideia que não vingou. O Museu de Arte de São Paulo (Masp) chegou a desenvolver atividades no local, mas só restou uma placa de 28 de novembro de 2000 afixada numa parede.
   
Na principal avenida da cidade e seu mais famoso cartão postal, a Paulista, funciona desde a década de 70 a passagem subterrânea atualmente conhecida por Passagem Literária. Está situada no final da avenida e é conectada com a rua da Consolação.

Inicialmente era só usada como passagem pelos pedestres que precisavam chegar a rua da Consolação pela Av. Paulista sem perder tempo na superfície esperando a abertura do semáforo. Mas era arriscado e perigoso, principalmente á noite. O espaço não oferecia segurança, exalava mau cheiro, suas paredes eram sujas e pichadas e moradores de rua dormiam no local.

A partir de 1989, a passagem foi revitalizada pela então Subprefeitura da Sé, que  consertou os vazamentos, melhorou a iluminação e pintou as paredes. E, desde 2005, por meio de um acordo, segundo se divulgou, é utilizado pela Associação de Livreiros denominada Via Libris para ser um corredor cultural.

A entidade surgiu de um movimento social, organizado pelos livreiros que tradicionalmente vendiam seus livros usados nas calçadas da rua Augustas. O intuito era transformar um espaço público vazio num local para a  exposição e venda de fotos, quadros de artistas plásticos, livros raros e antigos, discos e partituras, a preços acessíveis. Alem de cumprir uma programação artística com apresentações de conjuntos e/ou músicos solos.

Apesar de realmente funcionar como uma livraria, o espaço tem problemas, como uma linha de degraus onde costuma tropeçar quem está consultando e/ou comprando os livros e não percebe o desnível. Na quarta-feira (7) havia apenas um livreiro atendendo no local e lamentava que a maioria dos milhares de paulistanos e turistas apenas passa pelo espaço. E talvez pela falta de interessados, ainda não foi adiante uma iniciativa de fazer projeções de filmes nas paredes internas da passagem.

passagem  Consolação
A bem da verdade, é bom que se diga que, de um modo geral, o aspecto interno atual não é dos mais organizados e atraentes. Mais se parece com um dos muitos sebos existentes pela cidade, e reúne um sem número de livros espalhados em mesas/prateleiras, bem no meio da passagem.


Mas isso não incomoda, por exemplo, um publico fiel: os grupos de estudantes que fazem visitas guiadas à Passagem Literária, para suas pesquisas e trabalhos. E olham curiosos para as paredes totalmente escondidas pela grafitagem e milhares de cartazes de filmes, fotos e programas. Numa delas está pintado em tinta preta: “Não somos o metrô, mas a gente leva você para um respiro de arte e cultura”. Que continue assim.




Um comentário:

  1. Muito bom, Orlando! Prestação de Serviço e utilidade pública. eu mesma só conhecia a Galeria Prestes Maia. Excelente matéria. Parabéns!!

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