quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Theatro São Pedro, um século de arte no palco que enfrentou a ditadura

Vista noturna- Foto Sec de Cultura
A sua inauguração em 15 de janeiro de 1917, na rua Barra Funda esquina da rua Albuquerque Lins, região de Santa Cecília foi noticiada pelo jornal O Estado de São Paulo, na linguagem da época, como “‘Mais uma magnífica casa de espetáculos São Paulo conta desde ontem”. Em sua história de um século, o Theatro São Pedro aprendeu a conviver com desafios de toda sorte, que incluíram problemas de censura pela ditadura, nas décadas de 60 e 70, até a redução, neste ano, das verbas  repassadas pela Secretaria Estadual da Cultura, pelo corte no orçamento da pasta feito pelo Governo do Estado.

Talvez as dificuldades financeiras tenham feito com que os 100 anos do teatro, em janeiro, passassem sem uma comemoração especial que a data merecia. Mas, para que o ano do centenário não ficasse sem uma homenagem, foi levada ao seu palco uma programação durante o mês de abril que teve concertos da Orhesp na abertura (01) e no encerramento oficial (09) do 15º Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas, com obras de Carlos Gomes, Giuseppe Verdi, Giacomo Puccini, Pietro Mascagni, Charles Gounod, Antonín Dvorák e Francesco Cilea, com regência de Luiz Fernando Malheiro e apresentação dos solistas vencedores. Houve, ainda, nos dias 19, 23 e 28, com a Academia de Ópera Theatro São Pedro, a encenação da Ópera Noce di Benevento, de Giuseppe Balducci, e nos dias 21, 26 e 30 da Ópera Gianni Schicchi, de Giacomo Puccini.

Após a Organização Social Santa Marcelina Cultura assumir a gestão, em maio, foi possível divulgar o calendário e dar andamento à temporada lírica de 2017. A próxima atração, nos dias 1,2 e 3, é a encenação da “Flauta Mágica (Pocket Ópera), de Mozart, com a Orquestra de Bolsistas do Theatro São Pedro, sob a regência de Juliano Dutra.

Voltando ao passado, segundo os registros do “Estadão”, a abertura oficial
Teatro na época da inauguração
para a imprensa e convidados daquele que é o segundo teatro mais antigo de São Paulo foi marcada por alguns imprevistos. Como o mobiliário, encomendado nos Estados Unidos, incluindo as cadeiras da plateia, não chegou a tempo, foram usados móveis comprados à última hora. Entretanto, os desafios não terminariam por aí. O funcionamento do teatro e cinema, para o público, seria no dia 16. Mas, o jornal registrou, no dia 17, que o teatro não havia conseguido o alvará e que, portanto, a abertura fora adiada. Finalmente, no dia 20 de janeiro de 1917, o São Pedro recebeu os ansiosos expectadores com a exibição dos filmes A Moreninha e O Escravo de Lucifer.

“Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto e música de Chico Buarque;”Marta Saré”, de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, com Fernanda Montenegro e Beatriz Segal, e “Queda da Bastilha”, com Celso Frateschi e Denise Del Vecchio foram três das peças de maior conotação política apresentadas no palco do Theatro São Pedro, em plena ditadura militar. E no seu palco se abrigavam grupos teatrais como o Papyrus, transformando o local num foco de resistência. Os atores Celso Frateschi e Denise Del Vecchio, por exemplo, chegaram a ser presos em cena. A atriz Beatriz Segall ouviu a leitura do AI-5 no palco durante as encenações de Marta Saré.

O São Pedro foi inaugurado em uma época de florescimento cultural. Com uma história rica e surpreendente, é um dos poucos remanescentes de uma geração de teatros de ópera criados na virada do século XIX para o XX e que movimentavam a vida artística de São Paulo e de outros importantes centros urbanos do Brasil e da América do Sul. São da mesma época, por exemplo, o Teatro Amazonas de Manaus, o Teatro da Paz de Belém, o Colón de Buenos Aires e o Solis de Montevidéu. Na capital paulista, também proliferavam casas de espetáculos em diferentes regiões, com programação de teatro, cinema e música. Entre estes teatros estavam o Minerva, em Santana, o Paulistano, na Rua Boa Vista, o Politheana, na Av. São João, e o Colombo, no Brás.

Desde a sua abertura, o público que frequentava o São Pedro era bem diversificado. Havia representantes da alta sociedade em apresentações de gala. Mas, a grande maioria era de jovens do bairro da Barra Funda, atraídos pelos ingressos promocionais e as sessões de cinema. Teatros semelhantes a ele não resistiram às transformações pelas quais passou a cidade. Com a exceção do Theatro Municipal, na Praça Ramos de Azevedo, de 1911.

Uma longa história de abre e fecha

Programa de La Cenerentola
A história do Theatro São Pedro foi marcada por uma série de fechamentos e reinaugurações. Era uma época em que esse tipo de equipamento estava entre as principais opções culturais dos centros urbanos mais desenvolvidos, oferecendo apresentações não só teatrais, mas também musicais e de cinema. A casa conseguiu se adaptar aos tempos e protagonizou capítulos significativos da vida artística paulistana. 

O teatro, que se mantém no mesmo endereço, foi construído em estilo eclético, predominantemente neoclássico com detalhes em art nouveau, por iniciativa do imigrante e empreendedor português Manoel Fernandes Lopes. O engenheiro responsável pela obra foi o construtor Antônio Villares da Silva, que seguiu as linhas do projeto elaborado pelo arquiteto italiano Augusto Bernadelli Marchesini, que residia na cidade. O São Pedro, de palco italiano, com planta em forma de ferradura (além de platéia, frisas, balcões e camarotes) era recorrente nos teatros planejados para funcionar com programação mista, pois seu desenho permitia a instalação de telas de projeção. Foi concebido para ser um espaço dedicado a operetas, teatro e show de variedades, além de projeções de cinema. Serviu de alternava para apresentação de companhias nacionais e estrangeiras, com concertos eruditos e mostras de crianças prodígios.

A trajetória do São Pedro até os anos 40 não foi diferente de outros teatros de bairro. Incorporado ao circuito exibidor das Empresas Reunidas, da Cia Cinematográfica Brasileira e da Metro Goldwin Mayer, passou por uma reforma e, em pouco tempo, tornou-se um elo menor da cadeia de exibição cinematográfica montada no centro de São Paulo. E com a transformação urbana da cidade e do bairro, além da crise da Cinelândia, a partir da década de 1960, o cinema São Pedro perdeu prestígio. Em 1967 foi fechado.
Foi neste momento, que grupos de teatro, que questionavam os rumos dados
Interior do Teatro - Foto Sec.Cultura
à cultura nacional e ao próprio país, ocuparam o velho cine-teatro. Coube ao Grupo Papyrus dar início a esta nova fase. Liderado pela atriz Lélia Abramo e a diretora Maria José de Carvalho e integrado pelo ator Marcos de Salles  Oliveira, o artista plástico Abram Fayvel Hochman e o produtor Vicente Amato Filho. Porém, por falta de recursos suficientes, o grupo não pode levar adiante o seu projeto .
Assim, o São Pedro foi arrendado a novos inquilinos, o casal Beatriz e Maurício Segall e o ator e diretor Fernando Torres. Após adequações de espaços e reformas, o teatro reabriu no final de outubro de 1968 com apresentações de música erudita. A programação teatral foi iniciada no mês seguinte, com a montagem de “Os Fuzis da Sra.Carrar” (Bertolt Brecht) dirigida por Flávio Império.

 Palcinella e Arlecchino- Foto Heloisa Bortz
Em 11 de setembro de 1970, foi aberta uma nova sala de apresentações, voltada a pequenos espetáculos, com o nome de Studio São Pedro. A peça de estreia, “A Longa Noite de Cristal”, de Oduvaldo Viana Filho, ganhou o Prêmio Molière daquele ano. Nesse mesmo ano, foi encenada, na sala grande, um dos maiores sucessos da década, o musical “Hair”, dirigido por Ademar Guerra. Outra característica marcante da época foi a recepção e incorporação ao Studio de artistas e grupos de trabalho perseguidos e censurados como os Teatros Oficina e Arena (entre os quais Renato Borghi, Celso Frateschi e Fernando Peixoto). Muitas peças importantes foram encenadas, incluindo “Os Tambores na Noite” (Brecht), “A semana” (Carlos Queiroz Telles), “Frei Caneca” (Carlos Queiroz Telles), “Frank V” (Dürrenmat) e “Calabar” (Chico Buarque e Ruy Guerra).
Tombamento e recuperação
Apesar do sucesso das montagens, problemas financeiros e internos do grupo obrigaram Segall a alugar a grande sala do teatro ao Governo do Estado e a desistir das produções próprias no Studio. A partir de 1974, o teatro serve também de sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, sob a direção do maestro Eleazar de Carvalho. A São Pedro Produções Artísticas encerrou suas atividades em 1975, embora Maurício Segall continuasse na direção do teatro até 1981. No final dos anos 70, o teatro foi sublocado para diferentes grupos e apresentou ainda peças com Beatriz Segall à frente do elenco, e três montagens marcantes: “Macunaíma” (Mário de Andrade), sob a direção de Antunes Filho, em 1978; “Ópera do Malandro” (Chico Buarque), dirigida por Luis Antônio Martinez Corrêa, em 1979, e “Calabar”, dirigida por Fernando Peixoto, em 1980.
Em 81, depois de nova fase de abandono, o governo estadual iniciou o processo de tombamento do teatro, concluído em agosto de 1984, pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico). As obras de restauração incluíram a recuperação de elementos arquitetônicos originais da construção e a reforma completa da infra-estrutura, com implementação de novos equipamentos cênicos, de conforto acústico, térmico, funcional e de segurança, devidamente integrados ao restauro. 
Em 24 de março 1998 o novo Theatro São Pedro foi reaberto ao público, o que significou o início de uma nova orientação. O projeto de recuperação, iniciado nos anos 80, fez parte de um conjunto de intervenções visando a revitalização do centro da cidade. No ato de abertura, a Secretaria do Estado da Cultura, nova proprietária do teatro, anuncia que o mesmo seria a sede provisória da OSESP até a conclusão das obras da Sala São Paulo, na Praça Júlio Prestes. A Orquestra iniciou a nova programação da casa apresentando a ópera “La Cenerentola” (A Cinderela), de Rossini.
Mesmo com a  saída da Orquestra, em julho de 1999, não houve alteração
A Orthesp - Foto: Heloisa Bortz
das diretrizes do teatro e vieram as apresentações da Camerata Fukuda, dirigida por Celso Antunes, e uma versão para marionetes da última ópera de Mozart, “Flauta Mágica para Crianças”. Em 2000, a vocação operística do teatro foi confirmada não só com montagens do repertório europeu tradicional, como “O Barbeiro de Sevilha” (Rossini), “As Bodas de Fígaro”,”Don Giovanni” e “A Flauta Mágica” (Mozart), mas também ccm inovações brasileiras como “Domitila”, monodrama baseado nas cartas trocadas entre Dom Pedro I e a Marquesa de Santos, “Pedro Malazartes”, comédia musical de Camargo Guarnieri, “Ventriloquist” e uma “pocket opera” dirigida por Gerald Thomas. 

Ainda no mesmo ano, o São Pedro inicia a série “Sempre aos Domingos”, de junho a novembro, com a Orquestra de Câmara Villa-Lobos. E, com a criação da Orquestra do Theatro São Pedro (Orthesp), em 2010, a instituição consolidou a sua posição de o mais importante teatro de ópera do país.

Motivada pela bem sucedida experiência, a direção do teatro programou para o ano seguinte uma temporada de óperas pré-definida, com sete espetáculos, entre as quais se destacou uma inédita “L’Oca del Cairo”, de Mozart. Também nesse ano, começaram os espetáculos de dança, como o “Dos a Deux”, de André Curti e Artur Ribeiro, inspirado em “Esperando Godot” (Beckett). No início de 2002 foram abertos dois novos espaços no São Pedro:  a Sala Dinorá de Carvalho, de 90 lugares,  para recitais e grupos de câmara, e o Centro de Memória da Ópera do Theatro São Pedro, constituído a partir do acervo de mais de 6.300 peças de figurino doado por Fausto Favale.
Fachada do teatro- Foto Heloisa Bortz
Com todos os desafios em sua trajetória secular, o antigo cine-teatro São Pedro preservou as atraentes linhas arquitetônicas originais do prédio  o que faz da casa um dos poucos marcos da cultura do começo do Século XX que ainda sobrevivem na paisagem urbana de São Paulo. Além disso, a restauração permitiu adequar o teatro às exigências cênicas atuais, tornando-o moderno, mas sem perder as características clássicas indispensáveis.

O teatro oferece atualmente 636 lugares, distribuídos entre dois balcões, com capacidade para acomodar 110 e 124 pessoas e uma plateia com mais 396 lugares, além de outros seis para portadores de deficiência.

Sob nova direção

A partir de 1º de maio, a Organização Social Santa Marcelina Cultura assumiu a gestão do Theatro São Pedro, incluindo a Orquestra e a Academia de Ópera, a pedido da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Em comunicado, a entidade informou que “os recursos repassados ao longo de 2017 garantirão a realização de 24 récitas de ópera, seis concertos da orquestra, 30 concertos de câmara, além do funcionamento da Academia de Ópera com 24 alunos e 80 aulas, master classes e workshops e quatro ensaios gerais abertos. Em relação aos músicos originários da Orthesp, os recursos  permitirão a contratação de 33 músicos profissionais”.

Em setembro, a programação no Theatro São Pedro abrirá com a encenação da “Flauta Mágica” (Pocket Ópera), de Mozart, nos dias 1, 2 e 3, com a Orquestra de Bolsistas do Theatro São Pedro sob a regência de Juliano Dutra. Horários: sexta, 20h; sábado, 15h; domingo, 17h. Ingressos: Plateia - R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada) - 1º Balcão - R$ 25 (inteira) e R$ 12,50 (meia-entrada) - 2º Balcão - R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia-entrada)

Também no sábado (2), às 20h, haverá o Concerto de Câmara, com músicos da Orquestra do Theatro São Pedro e a cantora convidada Catarina Taira ( mezzo-soprano). O programa terá composições de W. Lutoslavwky ( Mini Overture), R. Victório (Tetragrammaton VII), G. Crumb( Vox Balaenae, for three masked players) e L. Berio ( Folk songs). Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada)


Endereço: Rua Dr. Albuquerque Lins, 207 / Rua Barra Funda, 171 (Bilheteria). Tel.: (11) 3661 6600 / 3667 0499 (Bilheteria). Terça a sábado, das 10h às 20h; Domingos, das 10h às 18h (Atendimento ao público). Metrô: Estação Marechal Deodoro (Linha 3/Vermelha).



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